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TRAZENDO PARA A LUZ - Reflexão sobre Estupro


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Texto Bíblica: 2 Sm.13

A história de Tamar nunca é ouvida.

Não lemos essa história nos momentos públicos de adoração. Não estudamos isso nos estudos bíblicos que realizamos.

É uma história difícil de ouvir.

É sobre coisas que não queremos saber quando vamos a igreja e nem em nossos momentos íntimos com Deus.

Não queremos ouvir sobre estupro e violência doméstica.

Apesar desta realidade a história de Tamar deve ser ouvida.

Justifica-se simplesmente por ser uma história na Bíblia, portanto, inspirada por Deus.

As histórias sobre arca de Noé, Davi e Golias, Moisés e o Mar Vermelho, Jonas e o grande peixe, Daniel na cova do Leão, ou qualquer outra história amada que conhecemos na Bíblia mostram a soberania de Deus e a fé como a verdadeira força.

Mas qual o propósito para a narrativa da história do Tamar?

Amnon faz algo terrível, algo inaceitável.

O que fez foi estupro doméstico. É pecado. Nomeamos assim: estupro é caracterizado pelo uso de violência física ou psicológica, no qual o agressor ameaça a vítima para satisfazer o seu prazer. “Porém ela lhe disse: Não, meu irmão, não me forces, porque não se faz assim em Israel; não faças tal loucura. Porém ele não quis dar ouvidos à sua voz; antes, sendo mais forte do que ela, a forçou, e se deitou com ela”. 2 Sm 13:12,13

Neste caso, Amnon comete pecado pelo desejo de possuir outra pessoa, de querer controlar o outro de maneira sexual.

É notório na narrativa que Amnon estuprou Tamar porque ele a forçou, a violentou, ela não teve culpa nenhuma, seu interesse era meramente saciar sua lascívia, sendo que nesse jogo desigual de poder, o sujeito feminino está suscetivelmente em demasiada desvantagem.

A violência doméstica caracterizada pelo estupro começa com alguém tentando possuir a outra pessoa, e depois decidindo usar a violência como uma maneira de controla-la.

Tamar era uma adolescente, aproximadamente 15 anos de idade, virgem, princesa, se fosse homem estaria na sucessão da coroa. Só para mencionar, antes do estupro sofre a violência de gênero em sua vida. Poderia ser uma das nossas filhas.

Ela reage e pede a ele que não a violentasse, ela disse não! Ela proferiu a palavra não por cinco vezes num curto diálogo que conseguira ter antes de ser violentada.

Fala (vs.12-13) e fala com sabedoria. Não encontramos nenhum resquício de violência em suas palavras. Ela procura convencer. É um chamado ético ao comportamento que se deveria ter enquanto povo de Deus. Apesar de oferecer alternativas, não é escutada. É, pelo contrário, silenciada. O chamado ao que se “deveria ser”, cai no silêncio. Ela sabia que o que iria acontecer traria sérias consequências. A linguagem e os verbos utilizados na inter-relação são tremendamente autoritários: vê, traz, sujeitar, forçar… Tem uma dinâmica de relações interpessoais baseada na prepotência e na dominação.

A coroa, o bastão de autoridade, o símbolo de poder não escuta o clamor da vítima.

Nós simplesmente não podemos aceitar isso em nossas famílias, na comunidade, na Igreja, no mundo.

Não podemos permitir sobre nenhuma hipótese que isso aconteça.

Infelizmente, por muito tempo a Igreja ficou em silêncio para com este comportamento destrutivo na vida do outro.

Fizemos disso uma questão privada que acontece nas famílias nos esquecendo de que esta ação sempre se expande por toda a sociedade.

Voltemos agora para o texto.

É claro que a família de Tamar tinha alguns problemas reais.

Assim como todas as nossas famílias.

Mas o ato de violência dentro desta família é algo assustador e a destrói.

Começou com uma armação ardil por parte de Jonadabe (homem sagaz), de Amnom, usando Davi para o seu intento, seu quarto como espaço de opressão. Um estupro arquitetado, premeditado. Um pecado socializado.

Em seguida a agressão de calar Tamar. Absalão, seu irmão, lhe perguntou: “Seu irmão, Amnom, lhe fez algum mal? Acalme-se, minha irmã; ele é seu irmão! Não se deixe dominar pela angústia”. E Tamar, muito triste, ficou na casa de seu irmão Absalão. E ainda, Davi se irou sufocando também a sua fala.

Ela sequer deveria mostrar seu choro e sua dor para não levantar suspeitas. Tolhida pelo irmão, Tamar ficou desolada, completamente angustiada.

No círculo da violência, o silêncio é o principal cúmplice e contribui para sua reprodução.

A dor lacerava todos os poros de sua alma, arruinava todo e qualquer via de respeito e dignidade por si mesma.

Esta história termina com todos os envolvidos se odiando, incluindo Absalão, fazendo justiça por suas próprias mãos. Na verdade ele matou Amnon usando Tamar como uma grande desculpa para aniquilar o sucessor do trono. A mémoria de Tamar é agredida. Traz ao logo do reinado tristes narrativas.

Podemos ter alguma forma de disfunção em cada família, mas as famílias devem ser o lugar seguro para sermos amados.

Famílias são o lugar para onde vamos quando precisamos de abrigo.

Violência doméstica arruína essa confiança para com todos os envolvidos.

Destrói as vítimas como Tamar.

Destrói as pessoas que são testemunhas como Absalão, ou pessoas que saibam disso como o Rei Davi.

E sim, destrói tudo para com os criminosos também.

Violência doméstica arruína famílias.

Eu sei que há pessoas no mundo que pensam que os homens devem ser poderosos e dominadores.

Eu sei que há pessoas no mundo que pensam que violência ou palavras duras vão resolver problemas.

É por isso que todos nós devemos nos preocupar com essa questão, porque afeta todas as nossas famílias quando há uma pessoa no mundo que acha que está tudo bem resolver nossos problemas com violência.

Amnon pensou que a maneira de conseguir o que queria era através da mentira e, finalmente, da violência.

Não podemos ficar calados sobre isso e dar a impressão de que isso é verdade.

Temos que arrastar tudo para a luz.

Porque o que Paulo diz em sua carta aos Efésios cap.5:8-11, é que todas as coisas ruins precisam ser expostas à luz. “Antigamente vocês estavam cheios de escuridão. Porém agora, sendo seguidores do Senhor, estão cheios de luz. Vivam como pessoas que pertencem à luz. (Pois os efeitos da luz são encontrados em todo o tipo de bondade, justiça e verdade.) Procurem saber o que agrada ao Senhor, e não participem das coisas inúteis que aqueles que pertencem à escuridão fazem. Pelo contrário, exponham-nas à luz. ”

Só então a escuridão desaparecerá.

Somente quando falarmos sobre esse assunto, quando o nomearmos, quando acreditarmos naqueles que foram vitimados, começaremos a curá-los e fazer deste mundo um lugar melhor para viver.

Há histórias arrepiantes sobre violência. Poderia citar várias histórias que conheço de violência dentro de portas fechadas, mas não preciso fazer isto, porque de alguma forma todos as conhece.

A verdade é que o que as pessoas fazem na cobertura da escuridão é horrível de mencionar.

Mas temos que nos forçar a falar sobre isso.

A história da ressurreição é sobre essas coisas importantes que esquecemos.

Jesus caminha na estrada com seus seguidores que estavam tristes porque achavam que ele estava morto.

Como Jesus, podemos caminhar com aqueles na escuridão e trazer luz que exponha o que está acontecendo.

E é por isso que precisamos ouvir a história de Tamar e de várias outras mulheres e por que não de homens.

É por isso que temos que falar sobre coisas que são desconfortáveis, e que preferimos não falar sobre isso, porque trazendo as coisas para a luz, lentamente começamos a mudar as coisas.

Começamos a dar esperança a pessoas como Tamar...

Começamos a dizer às pessoas que estão envolvidas na violência doméstica que não precisa ser assim, porque acreditamos nelas, e queremos mudar as coisas.

Podemos dialogar com elas sobre a culpa que não precisam sentir por terem “amassado a massa e feito o bolo” perfumando os espaços onde acontece a agressão; que podem andar pelos corredores gritando e “ rasgando suas vestes” porque, embora expulsas pelo agressor, serão acolhidas por cada um de nós.

Que diante da ordem do agressor: “Retire daqui esta coisa”, literalmente no hebraico, do fechar a porta atrás delas; diante da exclusão e dor, podem colocar “cinzas na cabeça, vestes rasgadas e chorar em voz alta” , podem e tem o direito de expressarem o seu luto por humilhação e vergonha. Podem se permitirem a um enfrentamento pensado como denúncia, porque tanto sua violência como o seu agressor foram expostos. Podem e devem ter ato corajoso por visibilizar a dor, em busca de justiça.

Quantas Tamar existem hoje e haverá amanhã?

Quantos Amnom aparecerão na vida de uma irmã, filha, amigas, de mulheres da realeza ou da plebe?

Quantos Absalões e Davis manterão elas se calarem?

Embora a resposta não seja otimista, fica a certeza de que nosso senhor Jesus Cristo sempre estará lá no ato tenebroso pronto a ser justiça, recompondo cada história a fim de que se tornem protagonistas desta.

Que fique a certeza de que os corredores do palácio e os espaços do poder onde, as Tamar podem passar depois da agressão, ainda são as suas famílias, a igreja e pessoas que não aceitam o domínio do outro com força mesmo quando vem vestidos de irmandade e familiaridade.

Elas podem Falar. Elas podem chorar. Elas podem andar. Elas podem viver uma nova história com a bênção de Deus.

E nós, de mãos dadas com elas caminharemos uma jornada árida, mas gratificante por denunciar profeticamente toda ação de abuso, quer emocional, quer físico levando-as a um patamar jamais imaginável.

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